Reforma tributária divide especialistas sobre nível de arrecadação e pacto federativo

Levantamento do Tesouro Nacional mostra que a carga tributária bruta subiu 2,14 pontos em apenas um ano

Antonio Lício defendeu a tributação direta da produção em uma única etapa
Elaine Menke/Câmara dos Deputados

A nova proposta de reforma tributária (PEC 7/20) dividiu a opinião de especialistas ouvidos nesta terça-feira (7) pela comissão especial da Câmara que analisa a matéria. Incertezas sobre se a proposta vai garantir o atual nível de arrecadação e o equilíbrio do pacto federativo foram os principais temas em debate.

A Proposta de Emenda à Constituição 7/20 está assentada em três pilares: desoneração de toda a cadeia produtiva, desoneração da folha de pagamentos e cobrança do imposto na ponta.

Segundo levantamento do Tesouro Nacional, em 2021, a Carga Tributária Bruta (CTB) das três esferas de governo foi de 33,90% do Produto Interno Bruto (PIB), o que representa um aumento de 2,14 pontos percentuais em relação a 2020 (31,76%).

Para o procurador tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Gustavo Bichara, a PEC está na direção correta, mas a proposta deve indicar qual imposto fará frente à carga tributária atual.

“Nós precisamos de uma modelagem financeira disso para saber quanto se conseguiria arrecadar com os tributos desenhados pela PEC – embora eu ache salutar a desoneração da folha, sobretudo para combater a chaga do desemprego no Brasil. Só em contribuições previdenciárias, pagas por trabalhadores e patrões, foram arrecadados R$ 480 bilhões. Que tributo poderá fazer frente a essa arrecadação brutal?”, questionou.

Ainda assim, Bichara afirmou ser inviável, em momentos de crise, que a tributação se concentre no consumo. Ele observou que hoje o consumo responde por 49,7% do total da arrecadação; já a renda corresponde a 20%.

“Não é possível que a gente pense que a reforma tributária de hoje deva ser idêntica à reforma tributária pensada para um modelo pré-pandemia. Hoje, no Brasil, segundo o IBGE, 49,5% das pessoas com idade para trabalhar estão desempregadas. Então, nós temos que pensar em uma reforma tributária que enderece esse problema”, sustentou.

Na mesma linha, o diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários, Schubert de Farias Machado, falou da importância em definir a alíquota necessária para a manutenção da carga. “O Brasil vive uma crise do emprego, não podemos tributar o emprego. Mas, ao mesmo tempo, qual seria o nível de tributação necessário para substituir essa arrecadação?”.

Pacto federativo
Schubert de Farias também observou que a PEC pode prejudicar o pacto federativo, à medida que afeta os Fundos de Participação de Estados e Munícipios, um mecanismo que, segundo ele, auxilia no combate à desequilíbrios econômicos.

“A PEC, da maneira que está, estaria ferindo as garantias constitucionais que determinam que haja o combate da desigualdade regionais”, sustentou. Ele sugeriu que a União concentre os tributos sobre renda e patrimônio, onde parte seria repassado aos estados, garantindo uma renda mínima aos entes federativos menos desenvolvidos.

Farias acrescentou que não é produtivo dar ampla autonomia tributária aos estados em razão da diferença entre suas bases tributáveis: “Há municípios tão pobres onde não caberia o imposto sobre patrimônio”, exemplificou Farias.

Regras de transição
Nesse ponto, o autor da proposta, deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), disse que pode ser criada uma regra de transição específica para os Fundos de Participação. “Estamos falando de 10% da arrecadação, então são maleáveis (os fundos). E tem muitos estados que não precisam desse repasse, ou que podem ser desonerados, assim que assumirem autonomia”, sustentou.

Já a relatora da proposta, deputada Bia Kicis (PL-DF) reforçou ser importante “colocar um teto nos impostos estaduais”. “O estado não funciona como mercado, se nós deixarmos os estados livres para cobrarem as alíquotas que bem entenderem, essa mobilidade de pagadores entre estados não será uma coisa simples”, frisou. Na sua opinião, uma competição entre os entes federativos, nos moldes do que há nos Estados Unidos, pode ser positiva.

Cadeia produtiva
O economista Antonio Arantes Lício defendeu a tributação direta da produção em uma única etapa, como está previsto na PEC. “Já que temos que tributar a produção, porque não tributar somente o único elo da cadeia produtiva, que seria o varejo? Assim, estaremos tributando o consumo”, observou.

Ele justificou que algumas cadeias produtivas são formadas por mais de 10 elos de produção até que se chegue ao consumidor final. Esse é o caso da indústria de carne de suína, explicou, que engloba o setor de fertilizante, ração para animais, entre outros. Hoje, cada etapa da cadeia produtiva paga o imposto referente ao valor adicionado ao produto.

“Computando somente o último elo, que é a venda da carne ao consumidor, teríamos a mesma arrecadação que se fosse tributada todas as fases”, afirmou Lício, que é autor de livro sobre tributação na agricultura. Ele criticou a aplicação do imposto sobre valor agregado (IVA), modalidade central em outra reforma tributária discutida pelo Congresso desde 2020. Em sua visão, o IVA foi mais apropriado ao contexto de criação da União Europeia e não à realidade brasileira.

No entanto, o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), um dos que solicitaram a reunião, fez uma ressalva: “Para você sair de um IVA, onde você minimiza a sonegação, porque você vai compensando o tributo a cada etapa e deixa para fazer lá na última ponta, ou seja, como é nos Estados Unidos. É porque lá o enforcement (punição) de uma sonegação fiscal é cadeia. Aqui no Brasil, se você deixa de pagar o tributo, o Ministério Público denuncia, se ele pagar, ele extingue o crime”, disse.

Na distribuição da carga tributária do Brasil, 11% são de impostos diretos e 89% de impostos indiretos. O contrário ocorre nos Estados Unidos, onde 85% são impostos diretos e 15% são indiretos.

Reportagem – Emanuelle Brasil
Edição – Roberto Seabra

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Compartilhe