Com Lula na Casa Civil, rumo da política econômica deve mudar

Postado em 17/03/2016 – Fonte: DCI – SP – Por: Paula Salati

Reforma da previdência será enterrada diante de desgaste

CENÁRIO. Influência do ex-presidente pode ser decisiva na área, com a possibilidade de adoção de medidas fiscais expansionistas; reforma da previdência será enterrada diante de desgaste

São Paulo – A entrada de Luiz Inácio Lula da Silva no comando da Casa Civil deve provocar mudanças nos rumos da política econômica do País. Apesar de não ser um cargo ligado diretamente à economia, há um consenso entre especialistas de que a figura do ex-presidente pode ser decisiva para a área.

“Se você me perguntar se um ministro da Casa Civil tem influência no Ministério da Fazenda, eu te direi que, em tese, não tem e que tudo depende do ‘tamanho’ desse ministro. Se estamos falando do Lula, então a resposta é sim: ele terá influência”, avalia Ricardo Balistiero, professor de administração do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). O ex-presidente assumiu a pasta ontem a convite da presidente Dilma Rousseff. Jaques Wagner, que estava na Casa Civil, foi para a chefia do Gabinete Pessoal da Presidência.

“A Casa Civil tem contato político com o Congresso e filtra as demandas que vem do Legislativo. É um cargo importante nesse momento, já que o governo não tem nenhuma força junto ao Congresso e o Lula sempre teve uma boa capacidade de articulação com a Câmara”, diz.

Apesar do poder de influência, o professor do IMT e Clemens Nunes, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) acreditam que pautas como a Reforma da Previdência e a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) serão ‘enterradas’ de vez nesse momento, diante do desgaste políticos provocado pelos escândalos de corrupção.

“Nem quando o Lula tinha aprovação da maior parte da população ele conseguiu virar a CPMF. Agora, em um cenário como esse, onde sua aprovação diminuiu, acho mais improvável ainda. Além disso, a base do PT não gosta dessas propostas. O Lula não vai mexer nesse ‘vespeiro’ por enquanto”, analisa o professor da FGV-SP.

Mudança de rumo

Ao traçar possíveis cenários, Nunes afirma que se o Lula optar pelas medidas preconizadas pelo PT, “tudo indica que haverá uma inflexão [mudança] nos rumos da economia em direção a uma política mais expansionista do ponto de vista do gasto público”, com estímulo à demanda interna.

Para ele, esse caminho seria um “tiro no pé” na atual conjuntura, já que as famílias, as empresas e o próprio governo estão endividados. “Medidas de injeção de crédito funcionaram em 2008, porque, naquele momento, havia espaço para endividamento, uma grande capacidade ociosa da economia e uma demanda pronta para ser estimulada”. ressalta o professor da FGV.

“O problema é que, hoje, está todo mundo excessivamente endividado. Ninguém vai tomar crédito, porque precisa pagar dívida de imóvel, de carro que financiou em 20 anos”, diz ele.

Segundo o Banco Central (BC), a proporção do endividamento das famílias do País sobre a renda acumulada em 12 meses era de 29,72% em janeiro de 2008 e saltou para 45,59% em novembro do ano passado.

Nunes ressalta também que gastos públicos com crédito podem pressionar ainda mais a dívida bruta do Brasil que, atualmente, encontra-se no patamar de 67% sobre o Produto Interno Bruto (PIB). “As previsões já indicam que a dívida vai passar de 80% sobre o PIB em 2018.”

Riscos na inflação

Ainda que as famílias e as empresas não tomem empréstimos, Balistiero destaca que a injeção de crédito na economia implica em riscos inflacionários. “Quando o governo aumenta gasto para oferecer crédito ele pressiona demanda agregada que impacta, por sua vez, a inflação. Despesas do governo são um dos itens da demanda agregada da economia”, explica ele. “Além disso, o consumo privado pode usar uma parte do crédito para pagar dívida antiga e ir se endividando ainda mais. […] A questão principal no caso do crédito é que não podemos negligenciar o dinheiro que vai para o mercado. Esse dinheiro que entra na economia pode virar demanda. Ninguém garante que as pessoas não vão usá-lo para consumir”, comenta ele.

Ainda que o governo se decida pelo crédito, Balistiero se questiona da onde virá esse recurso. “Mesmo que seja uma linha de crédito voltada para a construção civil [área geradora de emprego], qual o recurso que vamos utilizar? Os bancos privados serão convencidos? Do ponto de vista político, isso parece pouco factível”, ressalta ele, lembrando sobre a escassez de receitas provocada pela recessão na economia do País.

Estados

Nunes pontua ainda que o PT é mais “simpático” ao “perdão” da dívida dos estados junto à União. “Se ocorrer um desconto no estoque da dívida dos estados, estaremos criando mais espaço para aumento de despesa dos entes regionais, o que não é bom em um momento em que precisamos fazer ajustes”, diz.

Para Balistiero, há um outro cenário possível com a entrada de Lula na Casa Civil. Ontem, especulou-se, por exemplo, que Henrique Meirelles poderia assumir o BC no lugar de Alexandre Tombini. “Isso seria positivo, já que Meirelles é conhecido por não ter deixado a inflação se descontrolar em oito anos do governo Lula. Ele tem credibilidade perante o mercado. Seja na Fazenda ou no BC ele não implementará políticas irresponsáveis do ponto de vista fiscal”, analisa o professor do IMT.

Outra ideia do PT é utilizar nossas reservas internacionais para criar políticas de estímulo à economia, o que para Orlando Fernandes Assunção, da ESPM é perigoso. Ele explica que as nossas reservas internacionais protegem a nossa balança de pagamentos – um dos únicos aspectos da nossa economia que vai bem – já que garante ao País a possibilidade de fazer conversão de moedas quando ocorre fuga de capitais. Além disso, usar as reservas pode pressionar a dívida interna.

Apesar de o PT ser favorável a essa ideia, a presidente Dilma ressaltou ontem que não irá usar as reservas nem alterar rumos na economia.

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