Postado em 17/01/2018 – Fonte: Jornal do Comércio – RS – Por: Roberta Mello
Apesar de distante geograficamente e de parecer apenas um espaço de diversão, a Disney pode servir de inspiração para as empresas contábeis brasileiras. O mentor de gestão de escritórios contábeis, Roberto Dias Duarte, explica que a empresa norte-americana mantém um dos processos mais modernos de capacitação do pessoal e atendimento aos clientes e visitantes. Roberto Dias Duarte é uma das referências em tecnologia e inovação no segmento contábil em todo o Brasil. Segundo ele, a tecnologia muda a forma de execução e entrega dos serviços. Por outro lado, há um processo de “uberização” do mercado levando boa parte das empresas do setor a uma competição por preços.
O consultor afirma que para se destacar no mundo contemporâneo é crucial ser um profissional 2.0, o que inclui oferecer serviços além dos já esperados pelos clientes – “surpreender”. Para isso, Duarte defende, dentre outros pontos, a adoção da metodologia “Culture by Design”, adotada por algumas das mais importantes empresas globais. Duarte esteve em Porto Alegre na semana passada em evento promovido pelo Sescon/RS. O encontro foi alusivo ao Dia do Empresário Contábil, comemorado na sexta-feira (12 de janeiro).
JC Contabilidade – Em que o padrão Disney se diferencia dos demais modelos de gestão e como aprender com ele?
Roberto Dias Duarte – O padrão de excelência Disney é o modelo de negócio considerado hoje o mais conceituado modelo de excelência e que está sendo exportado há algum tempo por que envolve um processo diferente. Todos já devem ter consumido produtos de várias empresas e sentido uma das três opções de sentimentos que as pessoas têm em relação à empresa. A primeira opção é raiva, quando há alguma frustração, alguma expectativa não atendida, algum problema grave que não é resolvido. O segundo padrão de comportamento é quando você é indiferente àquela empresa, quando você simplesmente consome e obtém aquilo que esperava. Esse é onde, de fato, a maioria dos consumidores se encontra. O terceiro nível é o nível do amor, aquele em que você tem as expectativas superadas. Isso é muito difícil para as empresas, por que uma vez que você supera as expectativas esse comportamento se torna cotidiano e na próxima interação o cliente espera que a empresa preste um serviço naquele nível elevado e até se supere novamente. Então, deve ser um trabalho constante de superação das expectativas do cliente.
Contabilidade – Você defende que para atingir isso a empresa deve ter uma cultura diferenciada.
Duarte – Primeiro é preciso entender o que é cultura. É tudo aquilo que você faz e que não está na lei, não está nas normas, e que você faz quando ninguém está vendo. Um caso real é o dos torcedores japoneses que vieram ao Brasil para a Copa do Mundo e depois dos jogos recolhiam os lixos dos estádios. Não havia nenhuma lei determinando isso, não tinha ninguém vendo e eles o fizeram por que é uma questão cultural. O Peter Drucker, considerado até hoje o pai da administração moderna, tinha uma frase que dizia o seguinte: a cultura come a sua estratégia no café da manhã. A cultura pode destruir sua estratégia pela manhã na hora em que pessoas chegam para o trabalho. Cada pessoa que trabalha numa empresa tem uma cultura diferente. O modelo de atendimento Disney prevê algo chamado “Culture by Design”, em que se planeja, não só a estratégia de vendas, de atendimento e financeira, mas também a cultura organizacional.
Contabilidade – Como encontrar e modelar a cultura do seu negócio?
Duarte – Um ponto fundamental é o propósito. Vou lhe dar um exemplo. Eu estava no mês de dezembro no Magic Kingdom (um dos parques da Disney) e minha filha não havia comido nada além de doces. Minha esposa ordenou que ela comesse algo mais saudável e nos aproximamos de uma barraquinha de cachorro quente. Minha filha viu um brinquedo e não queria parar de brincar para comer e começou uma discussão entre as duas. O atendente da barraquinha se aproximou com um cachorro quente na mão e deu para minha filha dizendo que era um presente do Mickey. Quando minha esposa fez menção de pagar ele não aceitou dizendo que um presente do Mickey não podia ser pago. Esse comportamento acontece lá a todo momento, e eu relato na palestra pelo menos 15 casos similares, por que o funcionário está ali não para fazer cachorro quente mas, sim, com um propósito de criar felicidade nas pessoas enquanto estão no parque. Um escritório contábil não tem o propósito de entregar balanços ou relatórios nem calcular imposto. Isso não é um propósito. Esses são meios de chegar a um propósito. Quando as pessoas não sabem o propósito delas nas empresas, todo o processo estratégico se perde. E isso vale para qualquer empresa. Só que 99,9% das empresas não têm claro qual é o seu propósito.
Contabilidade – Como o propósito é passado aos colaboradores?
Duarte – No padrão Disney a filosofia é contratar com base no comportamento e desenvolver habilidades. A maioria das empresas fazem o contrário, contratam por habilidades e tentam ensinar comportamentos. Na prática, se o pai e a mãe do cidadão não lhe ensinaram questões éticas não vai ser uma empresa que irá conseguir fazer isso.
Contabilidade – Li que você também defende que os escritórios contábeis contenham e valorizem o contador 2.0. Que profissional é esse e qual o seu perfil?
Duarte – Em 2012, quando comecei a usar esse termo, foi para nomear o profissional, de qualquer área, que vive no mundo 2.0, em que é preciso muito mais do que conhecimento técnico para ser bom. Para ser um bom contador você obviamente precisa entender de contabilidade, de questões tributárias e consultivas, mas isso por si só não é suficiente para se desenvolver profissionalmente nem para empreender. Se você entrar nesse mundo, onde todas as profissões estão sendo substituídas por mecanismos de alta competição e baixo custo, e só se especializar em cálculo de impostos e apresentação de demonstrações você está no mundo 1.0. No mundo 2.0 é fundamental desenvolver habilidades em relacionamento humano, tendo capacidade de entender o que é importante para o seu cliente, desenvolver habilidades gerenciais e de liderança e, até mesmo, ampliar conhecimento em marketing, que diferente do que pensam não é a arte de vender mais aquilo que você faz, mas a arte de gerar valor para o seu cliente. Sem entender de marketing, o empresário obviamente vai competir por preço e isso pode significar até mesmo trabalhar por um valor negativo.
Contabilidade – O profissional deve agregar valor ao serviço prestado.
Duarte- Sim, fazer o básico pode ser importante, mas não garante sucesso. O contador tem que ser bom em análises financeiras, contábeis, cálculo de produtos. Porém, entender como gerar valor para o cliente, como liderar pessoas, criar estratégias e fazer planejamento é o mundo 2.0. Esse é o mundo do relacionamento humano, que vai de encontro aos processos de inteligência artificial. No cenário contábil, o uso de novas tecnologias tem substituído as tarefas operacionais e se ficarmos apenas no nível básico não há outra saída a não ser a competição por preços.
Contabilidade – Qual a importância de investir em comunicação, marketing e endomarketing?
Duarte – Se as empresas de telefonia celular, por exemplo, considerassem que os clientes sabem tudo de tecnologia da informação estariam no negativo. O trabalho principal de qualquer empresa, seja ela de serviços contábeis, jornalismo ou telefonia móvel é educar o seu cliente. Se você não ensina o seu cliente, ele usa mal o seu serviço, te dá trabalho, não te recomenda. A atividade número um de qualquer empresa que queira viver no mundo 2.0 é educar o cliente e isso só se faz com comunicação. Agora, cada público-alvo tem um veículo específico e se você faz um trabalho pulverizado e muito heterogêneo você não consegue um bom trabalho de comunicação, tem sobrecarga e dificuldade na captação de novos clientes. Comunicação, então, é educação de clientes e para cada perfil há um veículo adequado.