Índice usado para reajustar as cobranças das escolas acumula alta de 335% desde 1996, ante correção de 90% no valor da dedução
Bianca Pinto Lima e Gustavo Santos Ferreira – O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO – O limite anual para abatimento de gastos com educação no Imposto de Renda (IR) já se aproxima do valor de uma única mensalidade nas principais escolas do Brasil. Na declaração deste ano, pode-se deduzir até R$ 3.230 da base de cálculo do tributo, considerando apenas esse benefício. O montante é similar ao cobrado por mês nos colégios mais bem classificados no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), divulgado em novembro de 2013.
O Colégio Bernoulli, de Minas Gerais, ocupa o topo do ranking e tem mensalidade para o terceiro ano de R$ 1.459 – quase metade da dedução anual. No terceiro lugar da lista, o fluminense São Bento exige desembolso mensal de R$ 2.807. Já o paulistano Vértice, o quarto mais bem posicionado, cobra R$ 3.854, valor 19% superior ao abatimento permitido no IR. Essa classificação considera instituições em que mais de 50% dos alunos realizaram a prova do Enem.
Esse descasamento entre as mensalidades e o valor da dedução, válida para um ano inteiro, resulta da falta de reajustes que compensem totalmente os efeitos inflacionários dos últimos anos.
Entre 1996 e 2001, não houve reajustes no IR – tanto dos benefícios fiscais como das faixas de cobrança da tabela progressiva. Nos anos seguintes, quase todos as elevações foram inferiores às variações do IGP-M (índice de inflação utilizado pela maioria das escolas para calcular as mensalidades) e do IPCA (índice oficial usado como referência pelo governo).
Assim, nos últimos 17 anos, o IGP-M subiu 335% ante correção de apenas 90% na dedução.
O valor do abatimento com educação em 1996 era de R$ 1.700. Caso esse montante tivesse sido corrigido pelo IGP-M até 2013, hoje seria possível deduzir R$ 7.389 ou 129% a mais que o teto atual. Já se o IPCA fosse considerado no período, o total a ser abatido seria de R$ 5.213 (61% a mais) – veja o gráfico acima. Os cálculos foram realizados a pedido do Estado pelo professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando Zilveti.
Procurada pela reportagem, a Receita Federal não quis se pronunciar sobre o assunto.
‘Efeito devastador’. Para Zilveti, o efeito dessa defasagem é devastador: “O brasileiro está pagando mais impostos, e sobre o que não é renda”. Conforme diz, renda é a sobra de dinheiro após os gastos com serviços básicos, como educação e saúde. “Além disso, a dedução deveria funcionar como um atrativo para o contribuinte investir em conhecimento”, diz.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) defende que a correção dos abatimentos com educação considere o gasto médio por aluno da rede pública. De acordo com o presidente do sindicato, Claudio Damasceno, a ideia é que o reajuste seja feito ao longo de dez anos, de modo gradual. “Assim não haveria tanto impacto sobre a arrecadação federal e devolveria um pouco de justiça tributária ao contribuinte”, afirma. Se a nova norma começasse a valer no ano que vem, o limite de dedução para esses gastos alcançaria cerca de R$ 21 mil em 2024.
Baseado nessa proposta, um projeto de lei de deputados da base de governo e da oposição deve ir à votação em maio na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Fora a correção do teto para educação, o texto prevê ajuste de 61,42% para a tabela progressiva do IR.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apoia a iniciativa e vai além: defende que não haja limite máximo para o abatimento com a educação. Atualmente, apenas as deduções com despesas médicas não têm um teto preestabelecido. “A educação é um bem essencial, previsto constitucionalmente, tal qual a saúde”, afirma o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
A OAB tem dois processos sobre o tema correndo no Supremo Tribunal Federal. Um, sob relatoria da ministra Rosa Weber em caráter prioritário, exige o fim do teto do IR para educação. Outro, nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso, pede que a tabela seja corrigida pela inflação oficial, o IPCA.
Restrições. Fora a defasagem no valor do abatimento, existem limitações ainda em relação às despesas dedutíveis. Material didático, transporte escolar e uniforme, por exemplo, não são considerados pelo Fisco como despesas com instrução. O mesmo serve para cursos de línguas e preparatórios (vestibular e concurso) e programas de intercâmbio.
A lista atual de abatimentos está restrita às anuidades e mensalidades de educação infantil (incluindo creches e pré-escolas); ensinos fundamental, médio e superior (graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e especialização); e educação profissional (ensinos técnico e tecnológico).
“O trabalhador assalariado, que tem desconto na fonte, é o principal prejudicado. Ele antecipa o imposto ao governo e só recebe um ano e meio depois sem parte da correção, devido exatamente a essa defasagem”, destaca Zilveti, da FGV.
Para lembrar. Prazo acaba nesta quarta-feira, 30. Quem não declarou tem de correr para organizar os documentos e baixar os programas no site da Receita Federal . Veja dez erros que podem levar à malha fina.
O contribuinte que perder o prazo (23h59 do dia 30) paga multa de 1% ao mês sobre o imposto devido, sendo valor mínimo de R$ 165,74. O Fisco espera receber um total de 27 milhões de declarações neste ano – 1 milhão acima do registrado em 2013. Até a última sexta, 10 milhões ainda tinham de prestar contas.