BIANCA PINTO LIMA, ERICH DECAT, JOÃO VILLAVERDE E MARIANA CONGO – O ESTADO DE S. PAULO
Parlamentares reagem à proposta de Levy e tributaristas veem distorções maiores no IR
BRASÍLIA e SÃO PAULO – Parlamentares aliados ao governo e oposição veem com ressalva o sinal da equipe econômica de que pode levar ao Congresso, ainda neste ano, um novo projeto para aumentar o Imposto de Renda (IR) dos prestadores de serviço.
Nesta semana, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou haver uma discrepância entre os assalariados com carteira assinada, que recolhem IR com alíquotas entre 7,5% e 27,5%, e parte dos prestadores de serviço, que atua como pessoa jurídica (PJ) e paga cerca de 4% em impostos, segundo ele.
Candidato ao comando da Câmara, o atual líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), afirma que o tema ainda “é controverso” entre os parlamentares. “A polêmica é muito grande e acredito que vai ter dificuldades de passar, porque há uma pulverização de setores atingidos e impacto na classe média.”
O presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN), avalia que o governo erra ao insistir no aumento de tributos em detrimento do corte de gastos. “Quanto maior a tributação, mais difícil ficará a saída para a competitividade. Você tem de promover o equilíbrio fiscal por meio da racionalização dos gastos. Seremos contrários.”
Já o ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas (PT-RS), responsável por conduzir as negociações do governo com o Congresso, acredita haver espaço para tratar do tema. “Não existe ainda nada encaminhado. Mas, caso seja, minha posição será a de defender os interesses do governo. Vamos conversar e tentar votar”, afirmou.
Vice-presidente do PT, o deputado José Guimarães (CE) adotou a mesma linha: “Da nossa parte, faremos de tudo para sustentar politicamente as iniciativas que venham a ser tomadas pela área econômica”.
Embora o governo ainda não tenha uma estimativa de elevação da arrecadação com essa medida, o Estado apurou que a tendência é encaminhar a proposta via projeto de lei ao Congresso. Em 2004 e 2006, o governo petista optou por alterar a situação com uma medida provisória. Mas, nas duas ocasiões, as tentativas fracassaram após reação de empresários, inclusive com passeatas e manifestações contra a medida.
Distorções. Segundo tributaristas, as “distorções” no IR são muito mais amplas do que a questão dos prestadores de serviço levantada por Levy. O principal tributo direto do País, alertam os especialistas, vem perdendo parte da progressividade por causa de fenômenos que afetam tanto a base como o topo dos contribuintes.
O primeiro caso está relacionado à defasagem da tabela progressiva em relação à inflação, atualmente na casa dos 65% – o que aumenta o alcance do Fisco sobre os assalariados. Enquanto o segundo diz respeito, além do forte crescimento dos empregados PJs, às rendas financeiras e a artifícios de planejamento tributário. Em todos esses últimos casos, os valores recebidos escapam das maiores alíquotas do IRPF.
E esse fenômeno ocorre em meio a um sistema tributário já altamente regressivo – que onera, sobretudo, os mais pobres. Segundo os dados mais recentes do Fisco, referentes a 2013, os tributos sobre a renda respondem por 18,1% do total da arrecadação, enquanto aqueles que incidem sobre o consumo são responsáveis por 51,28%.
Para o economista José Roberto Afonso, do Ibre-FGV, a distorção é mais grave no topo do que na base. Isso porque grande parte dos trabalhadores que deixam de ser isentos acaba, ao final, tendo direto à restituição. “A falta de correção da tabela transforma esses trabalhadores em financiadores compulsórios e temporários do governo”, diz. É como se esses contribuintes financiassem o “capital de giro” público.
Já na outra ponta, diz Afonso, escapam da tabela progressiva do IRPF rendas como a financeira e os lucros e dividendos – todos isentos ou tributados apenas na fonte com alíquotas menores. No caso de um prestador de serviço, ele paga menos imposto quanto menos sacar a título de pró-labore e salário e quanto mais receber como lucro. Há ainda altos executivos que recebem ações da empresa como forma de remuneração e, com isso, pagam apenas 15% de IR sobre o ganho de capital quando vendem o papel com lucro.
“Se o dividendo não fosse isento, a carga tributária poderia ser melhor equalizada entre pessoas física e jurídica”, avalia Vanessa Rahal, professora de direito tributário da FGV.
Paulo Rabello de Castro, coordenador do Movimento Brasil Eficiente, diz que a discussão sobre o IR deve ser mais ampla e dentro de um contexto de reforma. “Primeiro é necessário colocar o gasto público no lugar, depois olhar os impostos indiretos e só então revisar o IR.”
Tributo pago por celetista chega a ser mais que o dobro de ‘PJ’
BIANCA PINTO LIMA E MARIANA CONGO – O ESTADO DE S. PAULO
Impostos pesam mais sobre renda de quem tem carteira assinada; tributar dividendos poderia corrigir distorção, dizem especialistas
SÃO PAULO- A diferença na mordida dos tributos sobre a renda de quem trabalha com carteira assinada ou como prestador de serviço – o famoso ‘PJ’, ou Pessoa Jurídica – pode chegar a mais que o dobro. Esse cenário gera uma distorção sobre o peso dos tributos e incentiva a chamada “pejotização” do trabalho.
“O PJ não é PJ só porque ele quer, mas para satisfazer o desejo do chefe. O empregado é incentivado a ser PJ porque seu custo se torna menor para a empresa que o contrata. É injusto com quem tem carteira assinada, ao mesmo tempo em que o PJ tem seus direitos trabalhistas feridos”, diz o presidente da consultoria fiscal WTS BRA, Fernando Zilveti. Dentro das empresas, a “pejotização” é usada como uma forma de planejamento tributário, diz ele.
Uma simulação feita pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), a pedido do Estado (veja abaixo), mostra que as alíquotas efetivas que incidem sobre a renda de um prestador de serviço ou um empregado com carteira assinada vão de 11% a 24%. A simulação leva em conta uma renda mensal bruta de R$ 15 mil.
O cálculo considera uma remuneração bruta de R$ 15 mil. Um prestador de serviço, pessoa jurídica e optante do regime do lucro presumido, gastaria 11,33% da renda mensal em tributos. O mesmo PJ, caso aderisse ao Simples, sofreria a incidência de 16,93% em impostos, considerando a tabela de serviços vigente desde 1.º de janeiro.
Caso trabalhasse com carteira assinada, o porcentual de impostos sobre a renda seria de 24,47%. Este número considera, além do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), a contribuição mensal à Previdência Social (INSS) que, por ser obrigatória, na prática funciona como um tributo. A simulação foi feita para um contribuinte sem dependentes e sem dedução de gastos. Vale lembrar que, no caso do prestador de serviço, o pagamento ao INSS é opcional.
Dividendos. O vice-presidente do Sindifisco, Mário Pinho, avalia que a situação do PJ é uma desvirtuação das relações de trabalho. Mas esse é só um lado do problema. É comum os PJs receberem a maior parte de seus rendimentos como lucros e dividendos, que são isentos de imposto. Na avaliação do Sindifisco, se o governo tiver o objetivo de atacar a distorção tributária que hoje a legislação permite, deveria avaliar uma forma de tributação de dividendos.
Na opinião da advogada Vanessa Rahal, também professora de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV), a tributação menor da pessoa jurídica faz sentido, pois o País quer valorizar o empreendedorismo e os investimentos. “Regimes diferentes de tributação existem sempre, mas isso depende muito do tipo de comportamento econômico que o governo quer incentivar. Não dá para negar que essa distorção de PJ gera desigualdade entre as pessoas, mas o governo não está preocupado com isso, e sim com a arrecadação”, diz.
Um projeto de lei (nº 6.094) do Sindifisco ataca a isenção dos lucros e dividendos. Em tramitação no Congresso desde 2013, propõe a tributação de dividendos a partir de R$ 60 mil.
O Estado de S.Paulo