Impostos são os entraves mais relevantes para negócios no Brasil

Relatório Global de Competitividade indica que o fator que mais complica a vida daqueles que querem fazer negócios no país é a tributação. Empresários confirmam os altos gastos na prática

Pedro Rocha Franco

Ainda falta quase um mês para o Dia das Crianças. Apesar da distância, o empresário Adriano Boscatte já desembolsou R$ 10 mil no pagamento de impostos dos produtos encomendados para garantir o estoque que vai atender à data comemorativa. Isso, sem nem um carrinho ou quebra-cabeça sequer ter saído do fabricante, no interior de São Paulo, rumo à sua loja em Belo Horizonte. O sucesso das vendas depende de uma série de variáveis, mas independentemente dos resultados, uma coisa é certa: os cofres públicos terão embolsado todos os valores que lhes são devidos. A carga tributária direcionada para o consumo em vez de voltada para a renda e o patrimônio é uma das críticas da iniciativa privada em relação às normas atuais. Estudo elaborado pelo Fórum Econômico Mundial 2014-2015 reafirma que a legislação tributária é a principal crítica dos empresários, muito acima inclusive dos problemas de infraestrutura, da burocracia governamental, corrupção, inflação e da qualificação da mão de obra.

No Relatório Global de Competitividade, elaborado para o Fórum Econômico Mundial 2014-2015, empresários brasileiros e de outros 143 países responderam a um questionário sobre quais fatores são os mais problemáticos para a realização de negócios no país em que eles atuam. Entre 10 opções, que vão da infraestrutura inadequada e do acesso ao crédito à inflação, 18,2% responderam que a legislação tributária é o principal entrave (veja quadro). Além do Brasil, somente a Polônia teve a questão tributária na primeira posição do ranking. No país europeu, 23,2% indicaram o quesito como o mais crítico.

Formado em ciências contábeis e pós-graduado em gestão financeira, Boscatte afirma que nem assim ele é capaz de compreender as regras tributárias. “Imagina quem é leigo”, diz o proprietário da Papelaria Mixpel. Ele afirma que a obrigatoriedade de pagar o imposto no ato da compra, como citado no exemplo do Dia das Crianças, obriga-o a fazer uma reserva no caixa da empresa só para pagar a chamada substituição tributária (regime de recolhimento do ICMS, mediante o qual se atribui ao contribuinte a responsabilidade pelo recolhimento do imposto relativo a negócio praticado por terceiro). “O capital de giro morreu. É o dinheiro que uso para manter a substituição tributária”, afirma. O correto, para ele, seria fazer a cobrança ao longo da venda.

Um exemplo da complexidade citada pelo empresário é sobre a dúvida gerada pela nomenclatura e classificação dos produtos. Segundo Boscatte, uma caneta simples e uma outra usada para a marcação em tecidos têm cargas tributárias muito diferentes. Às vezes, pode passar despercebida a diferença, sem má-fé. “O empresário entra na ilegalidade por falta de informação ou excesso de informação que não nos permite acompanhar”, afirma Boscatte, que diz ser impossível ser 100% correto.

MAIOR PESO A dificuldade de compreensão resulta na contratação numerosa de profissionais para destrinchar as regras, o que acarreta aumento no custo de produção. O coordenador do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral, entidade responsável por aplicar os questionários do estudo do Fórum Econômico Mundial no Brasil, Cláudio Arruda, diz que no ano passado, depois de responder às perguntas, um empresário paulista o abordou para convidá-lo a visitar a empresa para ver de perto o custo da gestão tributária. À época, o empresário disse que esse gasto seria maior até que o da mão de obra e de parte dos insumos. “É o grande gargalo que precisa ser resolvido para melhorar a competitividade”, diz o professor.

Segundo números do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), 54% da arrecadação nacional é vinculada ao consumo; 27% à renda e 3,7% sobre o patrimônio. Essa distribuição agrava a desigualdade social, considerando que pobres e ricos pagam pouco sobre os bens acumulados. O ideal na visão do presidente da entidade, Cláudio Márcio Damasceno, seria a redefinição desses percentuais de forma a se manter o valor arrecadado pelos cofres públicos, permitindo a todas as esferas manter seus investimentos. A tributação sobre o patrimônio é próxima de 10% em países como Estados Unidos e Japão. A alteração resultaria em um sistema tributário progressivo, em que “quem mais ganha, mais paga”.

O Sindifisco Nacional entregou um documento aos três candidatos à Presidência da República (Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves) com pedidos de modificação na legislação tributária, como a tributação sobre lucros e dividendos de pessoas jurídicas e a criação de um imposto sobre propriedade de aeronaves e embarcações. O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, afirma que, se todos pagam igual o imposto, proporcionalmente o rico paga menos. “Se você tem patrimônio, é porque você consegue pagar.”

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