‘Temos uma previsão de aumento de tributos’

O ministro da Fazenda já admite a hipótese de elevar os impostos sobre bens de consumo para cumprir a meta de superávit fiscal deste ano, de 1,9% do PIB
Segundo Mantega, o reajuste de 10% do Bolsa Família, anunciado pela presidente Dilma, não comprometerá as contas públicas
Ele reconhece que o governo estuda medida que reduz salário e jornada de trabalho para evitar demissões

MARTHA BECK

O aumento de impostos sobre bens de consumo pode ser uma das armas do governo para realizar o esforço fiscal prometido para 2014. É o que disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao GLOBO. Ele garantiu que a realização da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) é um compromisso “irreversível” e será entregue com aumento na arrecadação ou corte nas despesas. Segundo Mantega, o gasto extra de R$ 1,3 bilhão com o reajuste de 10% no Bolsa Família este ano, que acaba de ser anunciado pela presidente Dilma Rousseff, não é expressivo e será absorvido sem prejuízo da meta fiscal.

Como o governo vai acomodar mais despesas com o aumento do Bolsa Família este ano num momento de restrições fiscais?
Nós temos, este ano, uma receita que cobre todas as despesas, sendo que as principais estão sob controle. Os gastos de pessoal vêm caindo em relação ao PIB e, na Previdência, o déficit está controlado. Mas algumas despesas, como essa do Bolsa Família, podem subir. Não é uma despesa expressiva, e estaremos compensando isso com aumentos de arrecadação ou redução de gastos, se for necessário. O compromisso com o cumprimento de um superávit primário de 1,9% do PIB é irreversível. Vamos cumprir essa meta, e serão feitos os ajustes necessários. Já posso dizer para você que estamos fechando a arrecadação de abril, que foi boa, e vamos fazer um primário muito bom em abril, de modo que estamos cumprindo a meta fiscal. O aumento do Bolsa Família será absorvido sem nenhum comprometimento da meta fiscal.

Quais receitas podem subir?
Temos uma previsão de aumento de alguns tributos. Foi o que aconteceu, por exemplo, na tabela de bebidas (que serve como base de cálculo para o IPI e o PIS/Cofins do setor de bebidas frias). A tributação é proporcional ao preço. Quando o setor aumenta os preços, se você não faz um reajuste da tabela, é como se o tributo tivesse caído. Não fizemos reajuste no ano passado, mas vamos fazer este ano. Isso nos trará uma receita adicional de R$ 2 bilhões a R$ 2,5 bilhões em 2014. Mas nada impede que nós possamos fazer mais redução de despesas. Já fizemos um corte de R$ 44 bilhões no Orçamento e nada impede que, se for necessário, façamos algum corte adicional para que o fiscal seja cumprido na íntegra.
O setor de bebidas criticou muito o aumento da tributação, que subiu duas vezes em menos de um mês, e, agora, ameaça aumentar os preços durante a Copa do Mundo…
No ano passado, não fizemos reajuste da tabela de preços. Demos um benefício fiscal para o setor. Agora, mexemos no redutor (que também incide sobre a base de cálculo dos tributos) e na tabela. Este é o momento adequado porque as empresas vão aumentar o faturamento (com a Copa do Mundo) e podem perfeitamente diluir isso. Essa correção é insignificante. Em média, dá uns 2,5% sobre o preço final.

Quais outros impostos podem subir?
Haverá alteração no PIS/Cofins sobre importação. Isso nada mais é do que equalizar o tributo do bem importado ao do bem produzido no Brasil. O que também poderíamos fazer é (alterar a) tributação sobre bens de consumo. O IPI dos carros, que foi reduzido no passado, por exemplo, está sendo recomposto. Não há uma decisão ainda, mas ele poderá subir agora em junho. É esse tipo de medida. Mas, na verdade, estamos trabalhando mais com a contenção de gastos e estamos contando com a recuperação da arrecadação por conta da melhoria do crescimento econômico.

Mas o que está sendo feito concretamente para reduzir as despesas?
O governo já fez um corte de R$ 44 bilhões na despesa. Reduzimos inclusive R$ 7 bilhões nos investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Também reduzimos transferências para estados e municípios. Temos feito ajustes de despesas à medida que for necessário.

Como estão as medidas que o governo prometeu para conter despesas com abono salarial, seguro-desemprego e auxílio doença?
Estamos trabalhando para reduzir esses gastos. Hoje, há muita rotatividade no mercado de trabalho e isso não é bom para o governo porque acabamos gastando mais com seguro-desemprego. Estão em curso alguns ajustes, mas isso não é algo decretado pelo Ministério da Fazenda. Está sendo conversado com o Ministério do Trabalho e com as centrais sindicais. Há também o auxílio-doença, que subiu muito, e chegou a R$ 17 bilhões. Estamos estudando como fazer para reduzir essa despesa. O governo identificou aí algumas fraudes e está trabalhando para reduzir também. Ao todo, são R$ 44 bilhões de despesas com abono e seguro-desemprego e mais R$ 17 bilhões de auxílio-doença. É com esse universo que estamos trabalhando. Se conseguirmos reduzir esses gastos em 10%, 15% ou 20%, teremos uma economia importante de despesas.

Quando o governo encaminha para o Congresso proposta que flexibiliza as relações de trabalho?
Essa proposta vem sendo discutida há algum tempo. Está sendo aperfeiçoada, mas ainda não há uma decisão. Está sendo amadurecida. Eu mesmo já fiz discussões com a CUT e com segmentos técnicos e, a princípio, a ideia é que a empresa não demita o trabalhador. Ela faz uma redução da jornada trabalhada. Uma empresa que momentaneamente passa por uma dificuldade de vendas, tem que diminuir a produção. Então, ela coloca 20% de sua força de trabalho em casa. O trabalhador continua recebendo parte do salário, e o custo é dividido pelo seguro-desemprego, pela empresa e pelo trabalhador.

Quais são as medidas que o governo estuda para ajudar o setor automotivo, que ameaça demitir por causa de problemas nas vendas? As montadoras contavam com a manutenção do IPI reduzido…
Já existe um retorno gradual do IPI. Mas estamos olhando para as dificuldades do setor. Fizemos uma reunião com representantes do governo argentino para suprimir dificuldades na exportação de automóveis brasileiros para a Argentina. Do nosso lado, facilitar o crédito para a exportação e também para que haja algum aumento de crédito no mercado doméstico, onde houve uma redução drástica do crédito. Estamos trabalhando num fundo garantidor para melhorar a segurança dos bancos de modo que eles se sintam mais à vontade para liberar o crédito.

Quanto será colocado pelo governo nesse fundo garantidor?
Quem vai colocar não é o governo. Será uma solução de mercado.

Enquanto isso, as montadoras ameaçam demitir…
Não vejo a necessidade de demissões no setor automotivo. Isso não ocorreu nos últimos cinco anos e não vai ser agora que vai ocorrer.

O senhor acha que as montadoras fazem um jogo baixo ao dizer que vão demitir para tirar vantagem do governo?
Eu não acredito que qualquer setor faça jogo baixo. Os setores choram, querem condições melhores. No caso do setor automotivo, sabemos que as montadoras acumularam um pouco mais de estoque. Mas, em abril, as vendas aumentaram em relação a março.

A presidente Dilma Rousseff também anunciou uma correção de 4,5% na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física para 2015. No entanto, a defasagem da tabela é de mais de 60%.
Em primeiro lugar, essa correção não era obrigatória. Os governos anteriores não faziam nenhuma correção. Nós temos feito isso para manter o imposto mais baixo para os trabalhadores. Na tabela, temos que calcular uma inflação média para o ano que vem. Não sabemos de quanto ela será, mas nada melhor que o centro da meta (de 4,5%) para esse cálculo. Temos que supor que a inflação deverá ficar em torno do centro da meta.

O Globo

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