‘Vamos sair do medieval para o digital’

Ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif diz que empreendedorismo no país está mais perto de iniciar nova fase

Aline Salgado
aline.salgado@odia.com.br
e
Helio Almeida
helio.almeida@odianet.com.br

O Brasil vai deixar, em breve, o posto de país com a maior burocracia para abrir empresas, com um tempo médio de espera de 150 dias. A mudança, segundo o ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, virá, em parte, através do portal Redesim, a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios.

Previsto para ser finalizado pelo Serpro em julho, o sistema integrado digital vai permitir a abertura, o fechamento, a alteração e a legalização de empresas em todas as Juntas Comerciais do país.
A segunda facilidade virá por meio do Congresso Nacional. O Projeto de Lei 221/2012, que altera o Simples Nacional, já tem 90% da aprovação pela Câmara e seguirá para o Senado, ainda este ano, segundo perspectiva do ministro, que trabalha também na elaboração de um projeto que reformule as tabelas do Simples Nacional.
Afif Domingos fez uma pausa em sua viagem pelo país para promover a Caravana da Simplificação, de fomento à formalização, para dar esta entrevista aos jornais Brasil Econômico  e O DIA .

PROJETO DE LEI 221/12

A Câmara dos Deputados aprovou parte do Projeto de Lei 221/2012 que altera o Simples Nacional e prevê que empreendedores de qualquer ramo de atividade se enquadrem no regime, desde que tenham faturamento anual de R$ 3,6 milhões. Há algumas emendas ainda pendentes que precisam ser votadas, antes de ir para o Senado. O sr. acredita que há tempo para o PL ser aprovado este ano?

Ele está aprovado. Mas como é uma lei complementar, cada destaque feito precisa ser votado por um quórum qualificado e de maioria absoluta. O projeto está na pauta. Ontem (quarta-feira) houve a tentativa de votação, mas como o quórum estava baixo, suspenderam. Espera-se agora para a semana que vem. Mas há interesse do Congresso em aprovar o projeto com rapidez. De preferência antes das campanhas eleitorais. Isso porque, este é um projeto em que todo o Congresso é protagonista. É de autoria do Congresso e o Executivo apenas assessorou. É tão verdade que foi aprovado por unanimidade na Câmara. Foram 417 votos a zero. Há um consenso total. E o presidente do Congresso sabe disso. Especialmente porque estamos em um ano eleitoral e, como tal, o Congresso precisa de uma agenda positiva e um dos projetos é esse.

E no Senado? Ele precisa ainda ser aprovado por lá. 

Sim, mas vai ser por unanimidade também. Há um consenso nesse sentido, porque se descobriu uma coisa: o sonho do proletariado é melhorar de vida. Se a gente facilita a vida desse microempreendedor, ele vai gerar um empreguinho a mais. Eu tenho hoje 8 milhões de empreendedores que geram milhões de empregos.

E quanto ao empreendedor que fatura mais de R$ 3,6 milhões anualmente? Eles estão previstos nessa reformulação do Simples Nacional ?

Ainda não. Mas nós queremos criar o Grande Simples. A ampliação do Simples é boa para todo o Brasil.

TRIBUTAÇÃO AOS MEIs

Sobre a Instrução Normativa 1.453/2014 da Receita Federal, que inclui os Micro Empreendedores Individuais (MEIs) na relação de profissionais que devem ter recolhidos os 20% a título de contribuição previdenciária patronal, essa medida não desestimula a existência dos MEIs?

Matamos isso já.

O ministério pediu a suspensão da IN?

Isso foi um telefone meu para a presidenta, às 22h30. Ela ficou brava.

E o que a presidenta determinou?

O MEI foi aperfeiçoado em 2011 e nele foi colocado um artigo que dizia que, excepcionalmente, haveria incidência da contribuição previdenciária patronal apenas aos profissionais da construção civil, porque se tinha um receio de se utilizar o MEI como forma de precarizar as relações de trabalho. Quando foram fazer uma outra reformulação da lei, a burocracia tirou o “exclusivamente”. Em março, a Receita Federal deu interpretação ao dispositivo. Todas as contratações de MEIs estão sujeitas ao recolhimento de 20% da contribuição patronal para a Previdência Social, com retroativos a fevereiro de 2012. Imagine os setores de cultura. O primeiro a me ligar foi o Odilon Bastos. Quando soube da resolução, eu liguei para a presidenta. E ela ficou brava. Até o secretário do Tesouro me ligou e disse que a Receita fez uma interpretação da lei.

E agora?

Vamos mudar a lei, por meio do projeto que está em tramitação no Congresso Nacional. Vamos voltar com a palavra “excepcional”. Até que tudo isso aconteça, a lei está em vigor. Tem que recolher ou não contratar o MEI, é a orientação. Quanto aos retroativos, ainda não foram cobrados. Mas a Receita não vai cobrar ainda por orientação da presidenta.

ABERTURA DE EMPRESAS

O sr. já disse, em outras entrevistas, que pretende ficar até o fim do governo Dilma. Mas quais são as suas outras prioridades para o ano? 

A abertura e o fechamento das empresas, o que no Brasil é ainda um grande drama. Estamos na 116º posição no ranking do Banco Mundial, entre os piores países em apoio ao empreendedorismo. O ranking é estabelecido com base no tempo de abertura e fechamento das empresas.

Qual é o prazo hoje para abertura e fechamento de uma empresa?

Sempre faço nas minhas palestras uma comparação entre tentar fechar uma empresa e fechar uma conta de celular. O sistema que estamos implantando vai dar um salto do medieval para o digital. O processo hoje de abertura de empresas é medieval, demora-se 150 dias para se abrir uma empresa. Algo dito pelo próprio Banco Mundial.

E para fechar?

Fechar, você não fecha nunca. Tal como o celular, o cara que tem uma conta aberta, se ele lançar um débito de R$ 3 e não pagar, o nome dele vai para o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). Entre pagar e não pagar, ele decide pagar para não ter dor de cabeça. A Receita é a mesma coisa. Ela quer um CNPJ aberto para te mandar uma multa de falta de cumprimento de obrigação assessória de empresa parada. Porque a empresa parada tem que fazer comunicações à Receita, ela tem que ter um contador para não esquecer de fazer a comunicação, e qualquer comunicação que não é feita, paga-se multa de R$ 560. E se você não pagar, você vai para o Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do setor público federal) e fica impedido de abrir outra empresa.Quem deve, fica fadado a morrer. Hoje, no Brasil, temos mais uma polícia econômica do que uma política econômica voltada ao empresário.

PORTAL REDESIM

Quando o portal Redesim começar a funcionar? 

No segundo semestre deste ano iremos implementar a plataforma. O Serpro se comprometeu a nos entregar o portal em junho. Com os ajustes, até julho deve estar em funcionamento.

De que forma o sistema vai ajudar os empreendedores do país?

Hoje, quem quer abrir um empresa precisa ter CNPJ, inscrição estadual, licença da vigilância sanitária, alvará da Prefeitura, do Meio Ambiente, dos bombeiros. Cada um com um número, cada um com uma taxa. É assim que se começa a Via Sacra para se abrir uma empresa. O que estamos fazendo, por meio do Redesim, é um balcão único. Isso é revolucionário. Haverá um número único. Quem vai tomar conta é a Junta Comercial. E vamos concentrar isso tudo em um grande portal digital nacional.

O que acontece com as empresas existentes?

Não muda nada. Elas já estão cadastradas. A única mudança é que daqui em diante para fazer qualquer modificação, será preciso entrar no portal. O sistema será presencial até cada cidadão ter a assinatura digital, que será por meio do e-CPF. Porque o e-CNPJ seria uma uma assinatura digital que traria dificuldades a mais. Isso porque, depois que mudam os sócios, tem que mudar a assinatura. Então se ele é sócio de uma empresa vale a assinatura como cidadão.

E o fechamento?

O portal vai eliminar a necessidade da certidão negativa, isso porque a maioria das pequenas empresas são de baixo risco. Bastará o empreendedor pedir a baixa. Haverá cinco anos para a fiscalização. Quem responde é a pessoa física, que terá o CPF e endereço cadastrado.

RENOVAÇÃO DA TABELA

Há alguma perspectiva de mudanças da atual tabela do Simples Nacional?

A tabela do Simples é uma tabela burra, porque não incentiva a empresa a crescer. Vemos que ela começa a crescer para os lados, porque tem os limites do faturamento para estar no Simples. Assim, a perda de eficiência da empresa é total. Nós temos que ter uma tabela ascendente para que ela não quebre a empresa e não gere a sua morte súbita, que é quando a empresa cresce e morre, seguindo a reclamação do limite do Simples.

E como o governo, por meio da Secretaria, pretende fazer essa reformulação? 

Eu propus, para uma discussão com a Receita, que só olha sob o ponto de vista negativo e não pelo lado prospectivo, de juntarmos quem tivesse a visão dele com a visão prospectiva. Então trouxe para o jogo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, a Fipe de São Paulo e a Dom Cabral de Minas Gerais. No prazo de 90 dias faremos uma revisão total dessas tabelas. Já identificamos que é possível baixar o imposto para aumentar a arrecadação. Mas tudo depende de propostas.

Como isso seria, na prática?

A profissão de fisioterapeuta, por exemplo. Eles acabam cobrando alto porque os custos da atividade são altos. São muitas as profissões que você pode diminuir a tributação como forma de aumentar a arrecadação no todo.

Quando deve acontecer a revisão da tabela do Simples?

Ainda estamos fazendo o memorial descritivo para convocar esses institutos de pesquisa e começar a trabalhar no projeto. Mas para que ele se torne um projeto de lei será preciso que seja aprovado pelo Executivo e, então, encaminhado ao Legislativo para discussão e aprovação.

Brasil Econômico

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